maio 13, 2005

Despotismo vs. Política (parte III)

No Ocidente, são vários os que sonharam em usar um poder irrestrito para remover a imperfeição do mundo. Estes projectos, mesmo filosoficamente, falhariam se o seu verdadeiro objectivo não fosse disfarçado. Como a política é, em parte, um teatro de ilusões (nomes e conceitos novos são fáceis de inventar), as versões modernas do despotismo conseguiram construir laboratórios reais para a criação e teste dessas sociedades perfeitas. Que falharam é conhecido por todos. Menos aceite é que estas imensas convulsões correspondem a tendências profundas da nossa civilização. Para entender a política é preciso estudar os sinais que podem indicar o que se passa abaixo da superfície desta e doutras falhas civilizacionais.

Um desses sinais é a distinção entre a esfera privada e a esfera pública. A esfera privada é aquela da família, da consciência individual, do conjunto de interesses e das escolhas pessoais de cada um. Esta vida privada não seria possível sem a estrutura pública do estado que garante um sistema legal apropriado. A política apenas sobrevive desde que este sistema entenda e respeite os seus próprios limites (senão caímos novamente num sistema despótico apolítico). Como Péricles referiu: "Somos tolerantes e livres nas nossas vidas privadas, mas nos assuntos públicos sujeitamo-nos às Leis". A fronteira entre público e privado encontra-se em constante mudança. A homossexualidade e a religião eram considerados assuntos públicos, agora são (maioritariamente) da esfera privada. É o facto de se reconhecer e respeitar esta fronteira que separa a política do despotismo. [cont.]

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