junho 27, 2005

O Impacto Ambiental de um Texto (parte 2 de 2)

O princípio é familiar. O engenheiro que desenha um produto potencialmente perigoso é responsável pelas suas más aplicações, e fará (ou deveria fazer) todos os possíveis para que estas não ocorram. Dizer a verdade o melhor que podermos é o nosso primeiro dever mas só isso não chega. Um académico que pense ser a verdade a única defesa, provavelmente não pensou suficientemente sobre as potenciais consequências do seu trabalho. Por vezes, a possibilidade de má interpretação da verdade que se pretende dizer é tão grande que a melhor atitude é ficar calado.

Uma estudante de Daniel Dennet desenvolveu um exemplo que retira esta discussão da terra da fantasia da filosofia para a realidade. Ela trabalha na pesquisa da SIDA e percebe os perigos que envolvem esta actividade:

Digamos que descubro que o HIV pode ser erradicado de um individuo infectado sobre circunstâncias ideais (total cooperação do doente, total ausência de efeitos inibitórios das drogas usadas, total ausência de contaminação de outras linhas de vírus, etc.) com quatro anos de regime terapêutico. Eu posso estar errada. Posso ter calculado algo mal, ter lido de forma errada alguns dados, ter julgado mal os doentes da experiência ou ter feito uma estimativa muito optimista. E posso errar em publicar estes resultados, mesmo que sejam verdade, devido ao seu impacto ambiental: os mass media podem descrever mal a história, podem descrever mal o processo do tratamento. E alguma dessa culpa é minha. Especialmente se eu usar a palavra "erradicar", que no contexto dos vírus significa a eliminação total do planeta, enquanto pretendia referir apenas uma das estirpes do vírus. Por exemplo, uma complacência irracional poderia espalhar-se ("A cura da SIDA já existe logo não me preciso preocupar mais"). As taxas de incidência de grupos de risco voltariam a aumentar. E pior: a globalização do tratamento poderia aumentar a resistência desse vírus porque muitos não levariam o tratamento até ao fim.

No pior cenário, podemos ter uma cura para a SIDA e sermos incapazes de encontrar um meio adequado para a anunciar de forma responsável. Não adianta queixarmo-nos da complacência das pessoas em geral, de nada serve culpar os doentes de não cumprir o tratamento. Estes são efeitos esperados e naturais (mesmo que lamentáveis) da publicação que algo deste género produziria. É necessário explorar todos os meios práticos para prevenir os abusos que uma descoberta pode produzir, implementar estratégias de segurança que os evitem. No pior caso possível, pode chegar-se à conclusão que os efeitos de uma descoberta são incontroláveis. Isto não seria só um dilema, seria uma tragédia.

[adaptado do "Freedom Evolves" de Daniel Dennet, Penguin Books, 2003]

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