novembro 14, 2005

A sobrevivência da política (última parte)

A política, assim, está tão inexoravelmente ligada à nossa natureza, que qualquer transformação do estado afecta a religião, cultura ou a moral. Isto não deixa de ser verdade mesmo quando as alterações são demasiado lentas para repararmos nelas. As mudanças são mascaradas pela piedade moral da sociedade. Thomas Paine, por exemplo, considerava que os direitos humanos ofereciam uma direcção aos legisladores, mas não pensava que a sua geração tinha o direito de limitar os seus sucessores. Agora, o moralismo político tende a acreditar que a nossa tarefa é fundar uma sociedade justa de uma vez por todas.

Uma das características deste modo de pensar é bem representado pela caricatura do totalitarismo. Aí, os ditadores são conhecidos por elogiar as massas, declarando nelas a inspiração do progresso, enquanto na realidade elas representam pouco, sendo mesmo sujeitas a qualquer arbítrio. As democracias modernas apresentam um desenvolvimento paralelo. Os líderes são eleitos pelos cidadãos mas tratam-nos como se fossem estúpidos. Assim, surge o paradoxo que o eleitorado considerado tão obtuso pelos seus líderes tenha a autoridade de os eleger.

A asserção de trabalho do moralismo político é que todos são dependentes e estúpidos, sendo esta a decisão mais segura num mundo perfeito onde o erro não pode surgir. Numa sociedade perfeita, a moral e as maneiras são ferramentas frágeis porque as pessoas tendem a portar-se imoralmente. O próprio carácter dos cidadãos deve mudar, especialmente aqueles identificados como opressores. Os homens têm de deixar de ser machistas, os heterossexuais abandonar os seus privilégios, os brancos serem simpáticos com os negros, todos devemos ser menos obesos, menos suicidas, perder os vícios do álcool, do tabaco e das drogas. As leis menos opressivas que regem como os diversos grupos podem conviver em sociedade são substituídas por aquelas que manipulam as atitudes que esses mesmos grupos devem ter uns com os outros. Nesta nova forma, os seres humanos tornam-se uma matéria maleável de acordo com a tendência moral da época.

O eco do passado muitas vezes ilumina. Cui Bono? Quem beneficia?, perguntariam os Romanos. Num mundo igualitário todos são iguais (excepto, talvez, os gestores dessa igualdade). Num eventual futuro, haverá trabalho infinito para aqueles cujo negócio é determinar em progressivo detalhe as regras do jogo da vida, para adjudicar concórdias e conflitos, para ensinar os cidadãos quais os pensamentos que uma sociedade justa requer. Então a política terá morrido mas tudo será política.

(adaptado do livro Politics de Kenneth Minogue)

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