dezembro 19, 2005

Gradiente de Medo

Escuridão, os morcegos em trajectórias difusas a atravessar a noite. Uma luz amarela febril a iluminá-los, a janela fechada. O Doutor Spleen anota com vigor contabilístico a forma, a cor, a textura do saque – e por um momento pára nessa palavra áspera – as observações que o acto lhe provocou e o toque único que à carne foi dado. Depois, fecha o livro e entrega-o ao ajudante (este sai da sala, numa reverência ritual bastante complicada de explicar agora). Ele senta-se à espera das notícias, que a imagem de baixa definição do Inspector Rousseau surja na curiosidade mórbida da televisão. Enquanto isso, retira em silêncio a carteira e dela a foto dele. Do bolso, num movimento treinado, afasta (e só com uma mão) a protecção do bisturi cirúrgico e corta da foto um quadrado de quatro mm2 de área. Esta medida exacta foi comprovada várias vezes por Dabila e pelos irmãos Kong que, de lupa e régua, foram incapazes de encontrar um mínimo desvio nas largas amostras daquele puzzle em construção. E cada corte torna aqueles três mais apreensivos. É que a perfeição, principalmente quando iterada, torna-se assustadora.

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