outubro 30, 2006

Personas e Pessoas

No planeta Ankh, os seres conscientes possuem uma característica muito especial: apenas se consideram pessoas quando interagem num diálogo com outro Ankhiano. Esta forma de agir tem implicações profundas nas dinâmicas culturais. Um Ankhiano sozinho não existe enquanto agente activo mas apenas se vê (e é visto) como um passivo social em potência. A solidão, a distância à casta é uma sentença de anulação, e a sua possibilidade uma ameaça constante que paira sobre todos. Um Ankhiano sozinho não pensa, não planeia nem aprende, apenas é capaz de reagir somaticamente ao seu ambiente e de executar tarefas repetitivas oriundas de uma qualquer experiência passada. Apesar disso, reconhece diferentes níveis de intimidade, o que implica a existência de uma hierarquia de personalidades partilhadas (entre amigos, amantes, familiares, desconhecidos), ou seja, dois Ankhianos, consoante a categoria onde se inserem mutuamente, estabelecem uma persona, uma máscara que lhes dá a unicidade de uma pessoa naquele instante do espaço-tempo, naquele intervalo onde se preenchem sentidos e se afastam abismos. O facto de três ou mais Ankhianos se poderem juntar, resulta numa complexa estrutura linguística para distinguir as combinações possíveis que daí advêm. Por isso, os Ankhianos a partir de um (pequeno) número de participantes usam um único termo para designar tal rede de comunicação que, aproximando à tradução possível da distância que nos separa, significaria algo como 'ruído', 'diluição' mas também 'desespero'. Um Ankhiano não tem medo de mentir porque, mesmo sabendo instintivamente que a mentira contamina o outro e que tal perda restringirá, mais cedo ou mais tarde, a possibilidade e a qualidade de futuras uniões, o facto de não enfabular quando separado confere ao mentiroso a reconfortante visão de um horizonte desimpedido.

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