setembro 17, 2009

Domínio

"Uma das estratégias dos regimes totalitários é terem regulamentos legais (leis criminais) tão severos que, se tomados literalmente, todos seriam culpados de alguma coisa. Mas então a aplicação total da lei é revertida. Desta forma, o sistema parece misericordioso: "Veja, se nós quiséssemos, poderíamos prendê-los e condená-los, mas não tenham medo, nós somos indulgentes..." Ao mesmo tempo, o regime mantém a permanente ameaça de disciplinar os seus cidadãos. Na antiga Jugoslávia havia o infame artigo 133 do código penal que podia sempre ser invocado para perseguir escritores e jornalistas. Ele criminalizava qualquer texto que falsamente apresentasse os progressos da revolução socialista ou que pudesse causar tensão ou descontentamento na população pela forma como lidava com questões políticas, sociais ou outras. A última categoria não só é infinitamente elástica como, convenientemente, auto-referente: o próprio facto de se ser acusado por aqueles no poder não é, em si, prova que se provocou tensão ou descontentamento na população? [...] Temos aqui uma sobreposição de uma potencial culpabilidade (qualquer acção pode ser um crime) e misericórdia (o facto de se viver livre não é consequência de se ser inocente, mas sim da benevolência de quem está no poder). Isto é uma evidência que os regimes totalitários são, por definição, regimes de misericórdia: eles toleram violações da lei porque, na forma como modelam a vida social, essa violação bem como os subornos e a batota tornaram-se condições de sobrevivência." Slavoj Zizek, Violence

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