setembro 25, 2009

Lances

O sistema judicial não é sinónimo da Justiça, nem sequer é uma instância desse ideal impossível. Este sistema, a que por coerção social nos sujeitamos, é um jogo. Um jogo com regras muito complexas, mutáveis (teria sempre de o ser, nos seus detalhes, para espelhar a dinâmica do mundo) e construídas, maioritariamente, por pessoas que dela precisam para o seu sustento financeiro (advogados, juízes, juristas...). Dirão que as regras têm de ser definidas por especialistas, o que faz sentido. Mas pensaria o leigo, tendo em consideração que o Direito é uma venerável disciplina milenar, que o resultado disso seriam leis estáveis, coerentes, legíveis e pouco ambíguas. Mas o resultado, não raras vezes, é tudo menos isso. Quem não versado nas leis, ao tentar ler um decreto que lhe interesse, depara-se com um texto denso, quase impenetrável. Um texto que foge a uma interpretação concreta, que dê uma explicação simples sem exigir uma travessia labiríntica, por outros decretos, numa causalidade sem fim aparente e que derrota o leitor deixando-o desamparado. Serão as regras deste jogo necessariamente tão complexas ao ponto de ninguém externo ao mundo legal as possa entender sem ajuda desse mesmo mundo legal? Quando um conjunto de pessoas detém a feitura das regras do jogo que depois o usa para ganhar dinheiro e estatuto, há uma pressão, uma tentação fundamental, de tornar a sua própria presença inevitável. Isso seria, só por si, muito pouco ético. Mas receio que seja pior. O palimpsesto legal é tão imenso que é capaz de suportar vários níveis de especialistas. É tão fragmentado e complexo que existem sempre refúgios e saídas, excepções de excepções de excepções que tornam, para quem tenha a mestria necessária, até o mais óbvio numa embrulhada legal que aborta qualquer conclusão rápida ou mesmo, ao limite, qualquer conclusão justa. Imagino um advogado como um jogador de um xadrez barroco, com milhares de regras e ressalvas, a tentar ganhar, com lealdade, a partida ao seu cliente. Só que a qualidade do jogador que o cliente é capaz de contratar para a sua defesa é proporcional à sua capacidade financeira. Nem todos podem contratar grandes mestres de xadrez. Assim, qualquer caso, por mais injusto que seja, por mais culpa que um dos litigantes tenha, por mais desvantagem inicial que possua, é, em última análise, a qualidade do jogador que determina o resultado da partida. Só que o resultado da partida deveria ter mais a ver com essa difícil, mas irredutível coisa, que é a realidade do que aconteceu.

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